segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Absolutamente vivo - Jim Morrison



A celebração do lagarto


Leões na rua, vadios
Cães babando raiva e cio
Fera enjaulada dentro da cidade
O corpo da mãe
A apodrecer no asfalto do Verão.
Ele fugiu da cidade.

Desceu para Sul e passou a fronteira
Deixou o caos e a desordem
Tudo para trás das costas.

Acordou um dia numa pensão verde
Com um estranho ser rosnando ao seu lado.
O suor encharcava a pele luzidia.

Já está toda a gente?
Vamos dar início ao cerimonial.


The celebration of the lizard


Lions in the street and roaming
Dogs in heat, rabid, foaming
A beast caged in the heart of the city
The body of his mother
Rotting in the summer ground
He fled the town.

He went down South and crossed the border
Left the chaos and disorder
Back there over his shoulder.

One morning he awoke in a green hotel
With a strange creature groaning beside him.
Sweat oozed from its shiny skin.

Is everybody in?
The ceremony is about to begin.


(do livro “Uma oração americana”, tradução: Manuel João Gomes, Assírio & Alvim  Cooperativa Editora e Livraria)



domingo, 11 de janeiro de 2015

Do outro lado da rua - João Cabral de Melo Neto



A água da areia


Podem a ablução os muçulmanos
com areia, se não têm água:
fazem da areia um outro líquido,
eficaz igual no que lava.

A areia pode lavar neles
qualquer espécie de pecado;
na ablução ela flui como a água,
dissolve o mal mais empedrado.


(do livro "Agrestes", Alfaguara)



sábado, 10 de janeiro de 2015

João de Deus

A D. Pedro II


Per me reges regnant

Os reis são também símbolos; e vós
Representais todo um império amigo;
Por isso é que levanto a minha voz,
E ouvi, Pedro segundo, o que vos digo:

Vós não tendes um único inimigo,
Vós sois dos reis que podem andar sós:
Basta abolirdes o comércio atroz
Do desgraçado escravo: eu vos bendigo!

E o que é ser rei? Levar a primazia
Aos mais em tudo; espírito profundo
Que arte e ciência, livre e escravo abarca.

Regem os reis pela sabedoria:
Quem a não tem, não pode ser monarca:
Vós sois digno de o ser no Novo-Mundo.


(do livro “Cinco séculos de sonetos portugueses de Camões a Fernando Pessoa”, organização: Cleonice Berardinelli, Casa da Palavra)



sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Clepsidra - Camilo Pessanha



Desejos


Se medito no gozo que promete
A sua boca fresca e pequenina
E o seio mergulhado em renda fina,
Sob a curva ligeira do corpete,

Desejo, nuns transportes de gigante,
Estreitá-la de rijo entre meus braços,
Até quase esmagar nestes abraços
A sua carne branca e palpitante;

Como,d’Ásia nos bosques tropícais,
Apertam em espiral auriluzente,
Os músculos hercúleos da serpente
Aos troncos das palmeiras colossais...

E como ao depois, quando o cansaço
A sepulta na morna letargia,
Dormitando repousa todo o dia
À sombra da palmeira o corpo lasso;

Eu quisera também, adormecido,
Dos fantasmas da febre ver o mar,
Mas sempre sob o azul do seu olhar,
Envolto no calor do seu vestido;

Como os ébrios chineses delirantes
Aspiram, já dormindo, o fumo quieto
Que o seu longo cachimbo predileto
No ambiente espalhava antes...


(do livro “Clepsidra”, Ateliê Editorial)