segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Um esquema de XXX cantos - Ezra Pound



Canto I


E pois com a nau no mar,
Assestamos a quilha contra as vagas
E frente ao mar divino içamos vela
No mastro sobre aquela nave escura,
Levamos as ovelhas a bordo e
Nossos corpos também no pranto aflito,
E ventos vindos pela popa nos
Impeliam adiante, velas cheias,
Por artifício de Circe,
A deusa benecomata.
Assim no barco assentados
Cana do leme sacudida em vento
Então com vela tensa, pelo mar
Fomos até o término do dia.
Sol indo ao sono, sombras sobre o oceano
Chegamos aos confins das águas mais profundas.
Até o território cimeriano,
E cidades povoadas envolvidas
Por um denso nevoeiro, inacessível
Ao cintilar dos raios de sol, nem a
O luzir das estrelas estendido,
Nem quando torna o olhar do firmamento
Noite, a mais negra, sobre os homens fúnebres.
Refluindo o mar, chegamos ao local
Premeditado por Circe.
Aqui os ritos de Perímedes e Euríloco e
“De espada a cova cubital escavo”.
Vazamos libações a cada morto,
Primeiro o hidromel, depois o doce
Vinho mais água com farinha branca.
E orei pela cabeça dos finados;
Em Ítaca, os melhores touros estéreis
Para imolar, cercada a pira de oferendas,
Um carneiro somente para Tirésias,
Carneiro negro e com guinzos.
Sangue negro escoou dentro do fosso,
Almas vindas do Erebus, mortos cadavéricos,
De noivas, jovens, velhos, que muito penaram;
Úmidas almas de recentes lágrimas,
Meigas moças, muitos homens
Esfolados por lanças cor de bronze,
Desperdício de guerra, e com armas em sangue
Eles em turba em torno de mim, a gritar,
Pálido, reclamei-lhes por mais bestas;
Massacraram os rebanhos, ovelhas sob lanças;
Entornei bálsamos, clamei aos deuses.
Plutão, o forte, e celebrei Prosérpina;
Desembainhada a diminuta espada,
Fiquei para afastar a fúria dos defuntos,
Até que ouvisse Tirésias.
Mas primeiro veio Elpenor, o amigo Elpenor,
Insepulto, jogado em terra extensa,
Membros que abandonamos em casa de Circe,
Sem agasalho ou choro no sepulcro,
Já porque outras labutas nos urgiam.
Triste espírito. E eu gritei em fala rápida:
“Elpenor, como veio a esta praia escura?
Veio a pé, mais veloz que os marinheiros?”
E ele, taciturno:
“Azar e muito vinho. Adormeci
Na morada de Circe ao pé do fogo.
Descendo a escadaria distraído
Desabei sobre a pilastra,
Com o nervo da nuca estraçalhado,
Mas, ó Rei, me lembre, eu peço,
Empilhe minhas armas numa tumba
À beira-mar com esta gravação:
Um homem sem fortuna e com um nome a vir.
E finque o remo que eu rodava entre os amigos
Lá, ereto, sobre a tumba.”

Veio Anticleia, a que eu repelia,
E então Tirésias tebano,
Levando o seu bastão de ouro, viu-me
E falou primeiro:
“Uma segunda vez? Por quê? homem de maus fados,
Face aos mortos sem sol e este lugar sem gáudio?
Além do fosso! eu vou sorver o seu sangue
Para profecia.”
E eu retrocedi,
E ele, vigor sanguíneo: “Odysseus
Deverás retornar por negros mares
Através dos rancores de Netuno,
Todos teus companheiros perderás.”
Depois veio Anticleia.
Divus, repouse em paz, digo, Andreas Divus,
In officina Wecheli, 1538, vindo de Homero.
E ele velejou entre sereias ao
largo e além até Circe.
Venerandam,
Na frase em Creta, e áurea coroa, Afrodite,
Cypri munimenta sortita est, alegre, orichalchi, com dourados
Cintos, faixas nos seios, tu, com pálpebras de ébano
Levando o ramo de ouro de Argicida. Assim:


Canto I


And then went down to the ship,
Set keel to breakers, forth on the godly seas, and
We set up mast and sail on that swart ship,
Bore sheep aboard her, and our bodies also
Heavy with weeping, and winds from sternward
Bore us out onward with bellying canvas,
Circe’s this craft, the trim-coifed goddess.
Then sat we amidships, wind jamming the tiller,
Thus with stretched sail, we went over sea till day’s end.
Sun to his slumber, shadows o’er all the ocean,
Came we then to the bounds of deepest water,
To the Kimmerian lands, and peopled cities
Covered with close-webbed mist, unpierced ever
With glitter of sun-rays
Nor with stars stretched, nor looking back from heaven
Swartest night stretched over wretched men there.
The ocean flowing backward, came we then to the place
Aforesaid by Circe.
Here did they rites, Perimedes and Eurylochus,
And drawing sword from my hip
I dug the ell-square pitkin;
Poured we libations unto each the dead,
First mead and then sweet wine, water mixed with white flour.
Then prayed I many a prayer to the sickly death’s-heads;
As set in Ithaca, sterile bulls of the best
For sacrifice, heaping the pyre with goods,
A sheep to Tiresias only, black and a bell-sheep.
Dark blood flowed in the fosse,
Souls out of Erebus, cadaverous dead, of brides
Of youths and of the old who had borne much;
Souls stained with recent tears, girls tender,
Men many, mauled with bronze lance heads,
Battle spoil, bearing yet dreory arms,
These many crowded about me; with shouting,
Pallor upon me, cried to my men for more beasts;
Slaughtered the herds, sheep slain of bronze;
Poured ointment, cried to the gods,
To Pluto the strong, and praised Proserpine;
Unsheathed the narrow sword,
I sat to keep off the impetuous impotent dead,
Till I should hear Tiresias.
But first Elpenor came, our friend Elpenor,
Unburied, cast on the wide earth,
Limbs that we left in the house of Circe,
Unwept, unwrapped in sepulchre, since toils urged other.
Pitiful spirit.   And I cried in hurried speech:
“Elpenor, how art thou come to this dark coast?
“Cam’st thou afoot, outstripping seamen?”
              And he in heavy speech:
“Ill fate and abundant wine.    I slept in Circe’s ingle.
“Going down the long ladder unguarded,
“I fell against the buttress,
“Shattered the nape-nerve, the soul sought Avernus.
“But thou, O King, I bid remember me, unwept, unburied,
“Heap up mine arms, be tomb by sea-bord, and inscribed:
“A man of no fortune, and with a name to come.
“And set my oar up, that I swung mid fellows.”

And Anticlea came, whom I beat off, and then Tiresias Theban,
Holding his golden wand, knew me, and spoke first:
“A second time? why? man of ill star,
“Facing the sunless dead and this joyless region?
“Stand from the fosse, leave me my bloody bever
“For soothsay.”
               And I stepped back,
And he strong with the blood, said then: “Odysseus
“Shalt return through spiteful Neptune, over dark seas,
“Lose all companions.”  And then Anticlea came.
Lie quiet Divus. I mean, that is Andreas Divus,
In officina Wecheli, 1538, out of Homer.
And he sailed, by Sirens and thence outward and away
And unto Circe.
              Venerandam,
In the Cretan’s phrase, with the golden crown, Aphrodite,
Cypri munimenta sortita est, mirthful, orichalchi, with golden
Girdles and breast bands, thou with dark eyelids
Bearing the golden bough of Argicida. So that: 

 
(do livro "Os cantos", Tradução: José Lino Grünewald, Nova Fronteira)



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