quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A cachoeira do poema na fazendo do seu astral - Matheus José Mineiro



Vulcão


enquanto se esperava jorrar lava
seu coração entrava em erupção
de flóculos de neve e algodão
que do peito a cabeça o relaxava

ao mesmo tempo em que vulcanizava
minaz menino tinha a sensação
simples do abraço e do aperto de mão
pra inverter a implosão dessa explosão

vulcão no peito, riacho na perna
para que tudo ande e ande líquido
e a dor de hoje não seja eterna
certo que você mesmo é o seu fluído
se o coração entrar em erupção
de flóculos de neve e algodão.


(do livro “A cachoeira do poema na fazendo do seu astral”, Tomate Seco)



quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Rol (Inventário anacrônico) - Vilma Areâs



A voz


insistia como um de seus poemas
escorria pelo meio-fio de uma rua comprida
que saía do lado dos Correios de costas para
o mar contornava a praça em festa (osso do
coração) e se estendia até um jardim indeciso
das sombras que estalavam no sonho e que ele
afirmava semelhante à Índia (talvez à ventania
no terraço de Gaudí). A voz entretanto só podia
ser vista mas não ouvida. Só podia ser vista na memória
mas não ouvida.


(do livro “Trouxa frouxa”, Companhia das Letras)



terça-feira, 29 de outubro de 2013

José de Assis Freitas Filho



Três, trois, three


Escorço

Escrevo atormentado
Por abismos
Quanto mais caio
Mais visgo


Suíte agreste para ventanias d’além mar

Uma noite quando lia atento
Une Saison en Enfer
Exultavam em mim arrepios
E uma cotovia desavisada
Pousando nos umbrais
Cantou never more, never more
E eu nunca mais fui o mesmo
Nunca mais.

Rapsódia fugaz para polaroides urbanas
p/ Nina Rizzi

um verso de rimbaud
um beijo de esquina
língua, saliva, sílaba

pescaria, poesia
lâminas no asfalto
estes versos bregas

deixa-me cantar piaf
à sombra do laranjal
o futuro que és praia


José de Assis Freitas Filho é poeta, escritor, sociólogo e mestre em Letras (Ufba), nasceu e mora na cidade de Feira de Santana )(Ba). Tem poemas e narrativas publicadas em diversos jornais de circulação estadual e municipal. Em 1998, publicou o livro de contos O Mapa da Cidade, pela Coleção Flor de Mandacaru do MAC de Feira de Santana. Participou, também, da Antologia do concurso nacional de contos Newton Sampaio (2005), editada pela Secretaria de Cultura do Estado do Paraná. Em 2009 lançou o livro de contos O Ulisses no supermercado como premio do concurso CDL de Literatura de Feira de Santana. Em 2012 publicou O ano que Fidel foi excomungado pela Editora Penalux. Como poeta participou de diversos números da Revista Hera (1972-2005) que possui edição fac-similar publicada pela Editora Uefs (Universidade Estadual de Feira de Santana) em parceria com fundação Pedro Calmon (Salvador-Ba). Possui poemas no na agenda Livro da Tribo. Lançou em janeiro de 2013 o livro Poemas de urgência para súbitos desalinhos pela Editora Multifoco. Edita os blogs mileumpoemas.blogspot.com e arvoredapoesia.blogspot.com





segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Sanduíches de realidade - Allen Ginsberg

Um estranho chalé novo em Berkleley

            A tarde toda colhendo amoras pretas junto a uma
cambaleante cerca marrom
            debaixo de um ramo inclinado com seus velhos
abricós estragados no meio das folhas;
            consertando o vazamento nas intricadas entranhas
do mecanismo de uma nova privada;
            eu achei um bule de café bom entre as moitas junto
da varanda, rolei um pneu grande para fora dos arbustos
escarlates, escondi minha maconha;
            reguei as flores, jogando a água iluminada pelo sol
de uma para a outra, voltando por algumas divinas gotas
a mais para as vagens e margaridas;
por três vezes dei a volta ao gramado e suspirei dis-
traidamente:
            minha recompensa, quando o jardim me deu suas
ameixas saídas de dentro da forma de um arbusto no canto,
            um anjo que teve consideração pelo meu estômago
e pela minha língua ressecada e desamada.


(do livro “Uivo e outro poemas”, Tradução: Claudio Willer, L&PM Pocket)








domingo, 27 de outubro de 2013

Parte I - Tomás Antônio Gonzaga

Lira XXX

Junto a uma clara fonte
A mãe de Amor se assentou,
Encostou na mâo o rosto,
No leve sono pegou.

Cupido, que a viu de longe,
Contente ao lugar correu;
Cuidando que era Marília
Na face um beijo lhe deu.

Acorda Vênus irada:
Amor a conhece; e então
Da ousadia, que teve,
Assim lhe pede o perdão:

“Foi fácil, ó Mãe formosa,
“Foi fácil o engano meu;
“Que o semblante de Marília
“É todo o semblante teu”.



(do livro “Marília de Dirceu”, Ediouro)



sábado, 26 de outubro de 2013

Geraldo Eduardo Carneiro

Beladona, lady of the rocks

você pode mexer com as quatro cabeças
sem que elas tragam algum malefício
sem que elas exalem o cheiro terroso
das raízes
você pode mexer com as quatro cabeças
e ocultá-las sob o lençol
debaixo das telhas
e fazer com que escorra seu caldo grosso
para dar de beber aos estranhos
para dar de beber à família
você pode dançar sobre as quatro cabeças
sem que sintam sua falta no Jantar de Bodas
sem que sintam sua falta
depois você se tranca no quarto
e põe um disco na vitrola



(do livro "26 poetas hoje", organização: Heloisa Buarque de Hollanda, Aeroplano)



sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Esquina parábola - Bruna Beber



Seu paquera


as omoplatas
são os seios
das costas

quando belas
que vontade
de tocar

falo isso
para registrar
as suas

que peitos
e a vontade
de tocá-los.


(do livro “Rua da padaria”, Editora Record)