quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Fratura III: Exposição da vida - Maria Emília Algebaile



Ano novo?


Depois de amanhã é um novo ano.
Ela olha em volta e não vê diferença.
Olha-se no espelho e não percebe sinais de mudança próxima.
Volta seu olhar para dentro de si
e percebe que ali não mora mais aquela menina
que achava ser dona do tempo.
Em que momento isso se deu?
Provavelmente, não foi num réveillon,
nem no dia do aniversário.
Provavelmente, nunca saberá.
O fato é que o tempo a dominou
e lá está ela, a esperar a mudança de um ano
que se dá apenas num calendário dependurado na parede.
Porque a vida é um trilho para o infinito.
E a gente vai... a gente vai... a gente vai...


(do livro “Fratura exposta”, Editora Verve)



terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Regina Azevedo



quem fala no escuro?

do outro lado da casa,
onde meus pés temem pisar?
é você?
que saudade às vezes tenho de você

não sei direito quem é
há vinte anos

teve filhos?
quantos?
na faculdade você sonhava em ter
um casal de gêmeos e um carro 4x4

frequenta igreja católica,
hipódromo, academia?

em que cidade você mora?
ap ou casa?
num bairro tranquilo?

quem fala no escuro?

quem fala no escuro
e não responde?

sou eu a mulher
de vestido branco
que dançou contigo

é você?

você quem fala no escuro?

ou sou eu?

quem fala sozinho
no escuro

antes de você
eu nunca
falei
no escuro.


Regina Azevedo nasceu em natal, em janeiro de 2000. Publicou o livro de poesia “Das vezes que morri em você’’ e os fanzines “Carne viva o amor estanca’’ e “O amor é simples’’. Escreve para o site O Chaplin e para o blog pessoal www.reginazvdo.tumblr.com . Em março de 2015, lança seu próximo livro de poesia: ‘’Por isso eu amo em azul intenso’’.



segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O discurso do amor rasgado - William Shakespeare



Soneto 116


Não tenha eu restrições ao casamento
De almas sinceras, pois não é amor
O amor que muda ao sabor do momento
E se move e remove em desamor.
Oh, não, o amor é marca mais constante
Que enfrenta a tempestade e não balança,
É a estrela-guia dos batéis errantes,
Cujo valor lá no alto não se alcança.
O amor não é o bufão do Tempo, embora
Sua foice vá ceifando a face a fundo
O amor não muda com o passar das horas,
Mas se sustenta até o final do mundo.
Se é engano meu, e assim provado for,
Nunca escrevi, ninguém jamais amou.

Sonnet 116


Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove.
O no, it is an ever fixed mark
That looks on tempests and is never shaken;
It is the star to every wand’ring bark,
Whose worth’s unknown although his height be taken.
Love’s not Time’s fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle’s compass come;
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to edge of doom.
If this be error and upon me proved,
O never writ, nor no man ever loved.


(do livro "O Discurso do amor rasgado - Poemas e Fragmentos de William Shakespeare", Tradução: Geraldo Carneiro, Nova Fronteira)



domingo, 28 de dezembro de 2014

Farewell - Carlos Drummond de Andrade



Canção final


Oh! se te amei, e quanto!
Mas não foi tanto assim.
Até os deuses claudicam
em nugas de aritmética.

Meço o passado com régua
de exagerar as distâncias.
Tudo tão triste, e o mais triste
é não ter tristeza alguma.

É não venerar os códigos
de acasalar e sofrer.
É viver tempo de sobra
sem que me sobre miragem.

Agora vou-me. Ou me vão?
Ou é vão ir ou não ir?
Oh! se te amei, e quanto,
quer dizer, nem tanto assim.


(do livro “Farewell”, Editora Record)