quarta-feira, 31 de julho de 2013

Taís de Amorim

meus olhos me denunciam

mas só enxerga a denúncia quem consegue ver

dos meus olhos ninguém escapa

estou fadada a descobrir os crimes dos outros

não fujo mais desta minha sina (ou cina)

prefiro sinos.

minhas denúncias são como esses sinos de igreja, com toques certeiros e graves

réu culpado!

de um crime que o coração cometeu

pobre sino a soar denúncias castas,

e putas!pobres putas de corações e olhares que denunciam, graves feito os sinos

é sina (ou cínica?)

pobrezinhos

pobrezinhas

pobrecínicos

pobrecínicas

pobres sinos

puta sina!

assassina!, gritou o coração denunciado

assassina,

é sua sina

tocar o sino

de seu crime

assassinado

assassinato!

este é o seu crime

assassinato do réu coração

magoado

libertário

qual é a pena prum coração assassinado?

a pena é prisão perpétua na cadeia dos olhos marejados.

pobres olhos, culpados pelo crime que o coração cometeu,

assassinato em série, em sina, acima de qualquer suspeita,

exceto pras putas, que têm os olhos marejados de mágoa

assino

o contrato

serei puta

de coração

tocarei sinos

e voarei de balão

pro vento levar

toda a sujeira

que acumulei em meu corpo de puta

por ter coração

assassinado

de mágoas

assumo

réu culpada

por um crime do coração

homicídio-não culposo!

 
Taís de Amorim: suburbana, zonasulfavelada, 21 anos cronológicos, 5 anos coracionais, atriz de si mesma, quase poeta e aprendiz de jornalista.
 
 


terça-feira, 30 de julho de 2013

Bella - Otávio Campos

distância


seus eternos

são fantasmas

que ecoam

nas gravuras

em branco e preto

 
não plastifico, congelo,

fotografo

não conto, exponho,

registro

-sinto

 
na fração de segundo

em que a eternidade

me atravessa e per-

passa até o outro

ponto do peito

-sou

 
e o que desespera

pouco é

o correr do tempo

mas

a distância

que existe

entre o nosso

para sempre
 
 
(do livro "Distância", Aquela Editora)
 
 
 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Poeta a poeta - Vasko Popa

monumento ao oxigênio

 
um vinho rubro-terra me destina

a este país-braços-abertos

do coração do qual frondeja

a árvore da vida de olhos verdes

 
respira e assim anima

– exânime – uma estrela

 
me aterrorizam monumentos

grandes fantoches sobre-erguidos

com frio e fogo e outras – invisíveis – armas

 
em parte alguma jubilou-me

um monumento ao oxigênio

 
todo armado de folhas

de flores e de frutos

e de outras verdades maduras

 
Transcrição de Haroldo de Campos, com a colaboração do Autor.

 

 

(do livro “Osso a osso”, organização: Aleksandar Jovanovic, Editora Perspectiva, Editora da Universidade de São Paulo)



domingo, 28 de julho de 2013

Face imóvel - Manoel de Barros

Paz


Esta janela aberta

As cadeiras em ordem por volta da mesa

A luz da lâmpada na moringa

Duas meninas que conversam longe...

 
Paz!

O telefone que descansa

As cortinas azuis que nem balançam

 
Mas sobre uma cadeira alguém está chorando!

Paz!


(do livro "Manoel de Barros - Poesia Completa", Leya)


sábado, 27 de julho de 2013

Dialética - Monique Nix

I ato

Suborno Divino

Tenho carro, somente dor, uma ilha, e um analista.
Quando eu morrer vou direto para o céu
Quero tudo programado, descrito num papel,
E só vou aceitar se for o melhor do paraíso.
Aonde estão todos os santos, os puros, os sábios, meus amigos
Minha linhagem.

Vou pagar propina a Deus
Pra morrer melhor!
Vou pagar propina a Deus
Pra viver melhor!
Vou pagar propina a Deus
Pra morrer melhor!
Vou pagar propina, propina...

Se não aceitar
Aumento o valor
Caso não concorde
Renegocio o acordo
Mas se não fechar
Demito ele
DEUS vai para o INFERNO
E o DIABO assumi o antigo cargo dele

Vou pagar propina a Deus
Pra morrer melhor!
Vou pagar propina a Deus
Pra viver melhor!
Vou pagar propina a Deus
Pra morrer melhor!
Vou pagar propina, propina...
 
E por JUSTA CAUSA o DIABO foi promovido
Quem acha que é DEUS para não me dar ouvidos?

Quanto será que custa DEUS?
Qual é o valor da morte?
E o preço da sorte?
Em quantas prestações eu pago meu DESTINO?

 

II ato

 
Ó ignóbil ser andrógino, que por ser sábio, pensa que sabe?

Qual é o verdadeiro conhecimento? Sua meretriz informativa!

Sua posição é delimitação, contraposição. O que há de verídico num mundo padronizado?

Diga o que sonhas ,que direi quem és tu, fidedigníssimo ser desprezível.

Perdoai vossa/nossa estupidez humana, que infelizmente herdamos de caracteres desse nosso DNA ,cujo denomina conservadorismo.

 

III ato

Pandemia

 
Espero que entenda, porque sou assim.

É endógeno... Está em mim!

Não tenho sangue de barata, nem de cor azul.

Não preciso provar nada para ninguém!

Logo não aturarei desdém.

 
A alma é um moinho de vento

Sopro divino vetorial

Que assopra pensamentos

O pensamento é um ensaio para ação

É pura decepção!

Pois o Superego ele não deixa, ele bloqueia:

Meu instinto, meu organismo, meu ser primitivo.

Não quero ter razão o tempo todo...

Sentir é muito mais espirituoso!

Toda vez que nos realizamos a nossa áurea muda de cor,

Purifica dor.

 
Espero que entenda, porque estou assim.

É endêmico... Fuja de mim!

Cozinhei demais minhas vontades

Hoje o desespero é uma necessidade.

Vomitando poesia

Eu cuspo na hipocrisia, que logo cai na minha própria testa.

Pois eu só TENTO ser honesta.

 
Espero que entenda, porque fiquei assim.

É epidêmico... Corra de mim!

Fuja enquanto há tempo,

Pois posso te contaminar a qualquer momento

Com meus tormentos, com meu sofrimento...

Mas quem nunca chorou?

Quem não sente dor?

 
Espero que entenda, porque mudei.

É pandêmico... Eu me equivoquei!

Eu tive que mudar de planeta!

Eu tive que mudar de faceta!

Para me libertar!

Para me salvar!

Pois a depressão é uma doença altamente contagiosa.

É imune da lógica.

Mas podemos mudar essa narrativa,

Pois somos os autores de nossas vidas.


(da "Revista Passarinho" - no. 1 - 2013)