sexta-feira, 12 de julho de 2013

Poemas satíricos - Gregório de Matos

Romance

[a u’a dama por nome Dona Brites.]

Fui ver a fonte da roça,

e quando a mais gente vai

a refrescar-se na fonte,

eu me fui nela abrasar.

Dentro na fonte achei Brites,

que ali se foi a banhar,

por dar que entender aos olhos

um cristal noutro cristal.

Noutras horas corre a fonte:

com Brites, corrida vai,

vendo que a sua brancura

a excede nos cabedais.

Sentiu-me Brites ao longe,

E o fraldelim posto já,

era narciso do campo,

quem foi Narcisa do mar.

Cheguei, e vendo tão claro

defronte o rico caudal,

estive um pouco perplexo

entre crer e duvidar.

Enfim vim a persuadir-me

que Brites em caso tal

não foi lavar-se na fonte,

mas foi a fonte lavar.

Tão líquida, e tão transparente

corria, que por sinal

de Brites lhe pôr as mãos

desatada em prata vai.

Por entre pedras a fonte

precipita o seu cristal,

que lhas tira como a louco,

quem a vê precipitar.

Convidou-me a que bebesse

a neve do manancial,

e se a neve assim me abrasa,

o incêndio que me fará?

Bebi, não matei a sede,

porque dispondo-me a amar,

fui Tântalo, cuja pena

o beber incende mais.

Queira Amor, Brites ingrata,

que essa fonte, esse cristal

não seja o vosso perigo,

em que Narcisa morrais,

que quem me matou na fonte

por seu gosto, e a meu pesar,

será despique de um cego,

e vingança de um rapaz.


(do livro "Poemas satíricos", Editora Martin Claret)





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