Romance
[a u’a dama por nome Dona Brites.]
Fui ver a fonte da roça,
e quando a mais gente vai
a refrescar-se na fonte,
eu me fui nela abrasar.
Dentro na fonte achei Brites,
que ali se foi a banhar,
por dar que entender aos olhos
um cristal noutro cristal.
Noutras horas corre a fonte:
com Brites, corrida vai,
vendo que a sua brancura
a excede nos cabedais.
Sentiu-me Brites ao longe,
E o fraldelim posto já,
era narciso do campo,
quem foi Narcisa do mar.
Cheguei, e vendo tão claro
defronte o rico caudal,
estive um pouco perplexo
entre crer e duvidar.
Enfim vim a persuadir-me
que Brites em caso tal
não foi lavar-se na fonte,
mas foi a fonte lavar.
Tão líquida, e tão transparente
corria, que por sinal
de Brites lhe pôr as mãos
desatada em prata vai.
Por entre pedras a fonte
precipita o seu cristal,
que lhas tira como a louco,
quem a vê precipitar.
Convidou-me a que bebesse
a neve do manancial,
e se a neve assim me abrasa,
o incêndio que me fará?
Bebi, não matei a sede,
porque dispondo-me a amar,
fui Tântalo, cuja pena
o beber incende mais.
Queira Amor, Brites ingrata,
que essa fonte, esse cristal
não seja o vosso perigo,
em que Narcisa morrais,
que quem me matou na fonte
por seu gosto, e a meu pesar,
será despique de um cego,
e vingança de um rapaz.
(do livro "Poemas satíricos", Editora Martin Claret)
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