A contingência da carne
O sermos carne
E supor que tenhamos alma
São a chave da dor
E a floração do equívoco;
Sermos umas poucas primaveras
E uns quantos verões
E termos sede do eterno
É o que nos obscurece
E nos queima a força;
Mas quanto amargo é o
Ser somente carne
E ossos e órgãos e vísceras e sangue
E sonhar e ser somente carne;
Ser a carne unicamente
E não poder viver em cio
Mergulhado no amor enquanto
É dura a carne, enquanto
Dura a carne e é propícia
E a estrela e o tempo não a injuriam;
São a dúvida e a incerteza que habitam a carne,
A incerteza e a dúvida é que são a alma da carne:
Eis por que dançamos e bebemos
E nos são tão solenes e tremendos a noite e o dia
E chega a vez em que qualquer humana sinfonia
Abre gretas e sulcos e corte e feridas
Nos corpos com que nascemos
E sofremos passivos do mal de existir;
No entanto, escavar beleza é que é tarefa humana;
A beleza, sempre a beleza e a doida alegria
Que o mar e os animais não sentem
Porque não são uma carne que supõe ter alma.
(do livro "Mea maximo culpa", LumenJuris
Editora)
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