Poema porrada
Eu estou farto de muita coisa
não me transformarei em subúrbio
não serei válvula sonora
não serei paz
eu quero a destruição de tudo que é frágil:
cristãos
fábricas palácios
juízes
patrões e operários
uma noite destruída cobre os dois sexos
minha alma sapateia feito louca
um tiro de máuser atravessa o tímpano de
duas
centopeias
o universo é cuspido pelo cu sangrento
de
um Deus-Cadela
as vísceras se comovem
eu preciso dissipar o encanto do meu velho
esqueleto
eu preciso esquecer que existo
mariposas perjuram o céu de cimento
eu me entrincheiro no Arco-Íris
Ah voltar de novo à janela
perder
o olhar nos telhados como
se
fossem o Universo
o girassol de Oscar Wilde entardece sobre os tetos
eu preciso partir um dia para muito longe
o mundo exterior tem pressa demais para mim
São Paulo e a Rússia não podem parar
quando eu ia ao colégio Deus tapava os ouvidos para
mim?
a Morte olha-me da parede pelos olhos apodrecidos
de
Modigliani
eu gostaria de incendiar os pentelhos de Modigliani
minha alma louca aponta para a Lua
vi os professores e seus cálculos discretos ocupando
o
mundo do espírito
vi criancinhas vomitando nos radiadores
vi canetas dementes hortas tampas de privada
abro os olhos as nuvens tornam-se mais duras
trago o mundo na orelha como um brinco imenso
a loucura é um espelho na manhã de pássaros sem
Fôlego
(do livro “Obras reunidas – volume 1 – Um estrangeiro
na legião”, Editora Globo)
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