A gesta de Diomedes
Perguntei à cidade:
-O que luta em teu domínio?
Respondeu-me, impassiva:
-Lutam os carros, pesadas carcaças
de metal e substancial fumaça
lutam as raízes das árvores
contra as calçadas como filhos
nascendo à revelia do desejo
de que não viessem
lutam as luzes em fachos
quase-fictícios, qual sonhos
arcaicos que reprimimos
da era nada longínqua
em que nos criamos
próximos das estrelas
lutam os travestis contra os imbecis
assim como lutam as botas nobre-e-caras
contra os canivetes escondidos nas bolsinhas
lutam os amantes, em diversas modalidades
da luta livre à capoeira, do boxe ao muay thai
e quem se distrai, ou baixa a guarda
acorda em uma cama de hospital
e lutam os pacientes do hospital
pelo soro da compaixão
lutam as aparelhagens contra a natureza implacável
caixas de metal contra o Sol
armações de alumínio contra a Chuva
antenas prateadas contra o Relâmpago
fones de ouvido contra o Homem.
Isto respondeu-me a cidade.
Para ela, então, armei-me.
Marcharam, amancebadas, contra mim
a Beleza e a Guerra.
A primeira feri no punho
para ver sangrar o róseo.
Dele bebi, e não o quis mais.
A segunda feri no peito.
E o seu grito pavoroso superava
o alarido dos homens amedrontados.
http://cancoesdeamoreguerra.tumblr.com
Rafael Zacca é poeta, crítico, e se mete com história e
filosofia. Nasceu em 1987 e desde então vive indeciso no Meier. Mantém um
laboratório online para uma história sem fatos do amor e da guerra.
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