domingo, 30 de junho de 2013

Dentro da noite veloz - Ferreira Gullar

Agosto 1964



Entre lojas de flores e de sapatos, bares,

        mercados, butiques,

viajo

        num ônibus Estrada de Ferro – Leblon.

        Volto do trabalho, a noite em meio,

        fatigado de mentiras.

 
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,

relógio de lilases, concretismo,

neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,

        que a vida

        eu a compro à vista aos donos do mundo.

        Ao peso dos impostos, o verso sufoca,

a poesia agora responde a inquérito policial-militar.

 
        Digo adeus à ilusão

mas não ao mundo. Mas não à vida,

meu reduto e meu reino.

        Do salário injusto,

        da punição injusta,

        da humilhação, da tortura,

        do terror,

retiramos algo e com ele construímos um artefato

 
um poema

uma bandeira
 
 
(do livro "Toda poesia", José Olympio Editora)
 
 
 

Um comentário:

  1. Parabéns e desculpe-me a demora. Espero que continue gostando de poesia.

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