terça-feira, 30 de setembro de 2014

Mônica Montone



Falar poesia é fácil


Falar poesia é fácil
Difícil é viver com poesia
apesar e além de

Apesar das contas para pagar
do ex para perdoar
do projeto novo para começar
dos quilos para perder
do emprego dos sonhos para
conquistar

Difícil é se achar
mesmo quando há a
ausência do olhar do outro

Se escutar
apesar do bumbo, do surdo
que marca o passo da
multidão de pai, mãe, irmão e
papagaio
que nos habita

Falar poesia é fácil
falar sobre poesia mais ainda

Difícil é não desbotar a poesia
com a água suja do nosso dia
a dia

Ser elegante
com quem roubou nosso
sorriso
seguir adiante
como se nada tivesse
acontecido

Falar poesia é fácil
Difícil é enxergar poesia onde
não existe nada


Mônica Montone nasceu em Campinas (SP), e vive no Rio de Janeiro desde 2000. É autora dos livros Mulher de Minutos (Íbis Libris, 2003), Sexo, Champanhe e Tchau (Oito e Meio, 2013) e A Louca do Castelo (Oito e Meio, 2013). Participou de diversas antologias incluindo Poesia Sempre (Fundação Biblioteca Nacional, 2007) e Amar, verbo atemporal (Rocco, 2012) e publicou em inúmeros sites, blogs, revistas e jornais incluindo o jornal O Globo. Recebeu o prêmio de melhor escritora de 2013 da revista Quem através de júri popular. Flertando com outras artes lançou seu primeiro CD com músicas próprias e em parceria com o poeta Claufe Rodrigues e fez shows em feiras literárias e bienais em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Lisboa, Marechal Deodoro, Recife, Poços de Caldas, Fortaleza, Bento Gonçalves, Campinas, Cantagalo, Caxias do Sul, Ibitipoca, Campos dos Goytacazes e Salvador. Integrou o elenco das peças Apocalipse Segundo Domingos Oliveira e Os sábados do Domingos, um cabaré filosófico do diretor e dramaturgo Domingos Oliveira, e atuou na montagem de sua primeira peça, Sexo, Champanhe e Tchau. Escreve na revista Obvious. Informações: www.monicamontone.com.br



segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Poemas - John Keats



Se tenho medo


Se tenho medo de meus dias terminar
Antes de a pena me aliviar o espírito, antes
De muito livro, em alta pilha, me encerrar
Os grãos maduros como em silos transbordantes;
Se vejo, nas feições da noite constelar,
Enormes símbolos nublados de um romance
E penso que não viverei para copiar
As suas sombras com a mão maga de um relance;
Quando sinto que nunca mais hei de te ver,
Formosa criatura de um momento ideal!
Nem hei de saborear o mítico poder
Do amor irrefletido! - então no litoral
Do vasto mundo eu fico só, a meditar,
Até ir Fama e Amor no nada naufragar.

Sonnet


When I have fears that I may cease to be
Before my pen has glean'd my teeming brain,
Before high-piled books, in charactery,
Hold like rich garners the full ripen'd grain;
When I behold, upon the night's starr'd face,
Huge cloudy symbols of a high romance,
And think that I may never live to trace
Their shadows, with the magic hand of chance;
And when I feel, fair creature of an hour,
That I shall never look upon thee more,
Never have relish in the faery power
Of unreflecting love; - then on the shore
Of the wide world I stand alone, and think
Till love and fame to nothingness do sink.


(do livro "Poemas de John Keats", Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos, Art Editora)



domingo, 28 de setembro de 2014

Livro segundo - Casimiro de Abreu



XXXV



O que é – simpatia

  

A uma menina 


Simpatia – é o sentimento
Que nasce num só momento
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.

Simpatia – são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.

São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.

Simpatia – meu anjinho,
É o canto do passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d’agosto,
É o que m’inspira teu rosto...
– Simpatia – é – quase amor!

Indaiaçu – 1857



sábado, 27 de setembro de 2014

Raul de Leoni



Argila


Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs nas carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...

Às belezas heroicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila,
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranquila...

É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço ao longe o oráculo de Elêusis)

Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses...


(do livro "Amar, verbo atemporal", organização: Celina Portocarrero, Rocco)