Sacrilégio
Como
a alma pura, que teu corpo encerra,
Podes,
tão bela e sensual, conter?
Pura
demais para viver na terra,
Bela
demais para no céu viver...
É
teu grande ideal que te aparece,
Oferecendo
loucamente o beijo,
E
castamente murmurando a prece!
A
parra e o acanto, sob o alvor de véu,
E
para a terra os olhos abaixando,
E
levantando os braços para o céu.
O
amor em que me abraso e em que te abrasas,
Vejo
o teu resplandor arder na treva
E
ouço a palpitação das tuas asas.
Os
céus se estendem pelo teu olhar,
E,
dentro dele, os serafins errantes
Passam
nos raios claros do luar:
De
promessas, os lábios sensuais,
E,
à flor do peito, empinam-se-te os seios,
Ameaçadores
como dois punhais.
Toco-a,
e sinto-a ofegar, ansiosa e louca...
Beijo-a,
aspiro-a... Mas sinto, de repente,
As
mãos geladas e gelada a boca:
Desce
do altar pela primeira vez,
E
pela vez primeira profanada
Tem
por olhos humanos a nudez...
Já
que, fraco demais para perde-la,
Não
posso um dia, deusa foragida,
Ir
amar-te no seio de uma estrela.
Com
o que de puro no teu beijo houver;
Ficarei
anjo, tendo-te ao meu lado:
Tu,
ao meu lado, ficarás mulher.
Serás
minha! Sacrilégio e profano,
Hei
de manchar a tua castidade
E
dar-te aos lábios um gemido humano!
Preferirás
o cálido fulgor
De
um cantinho da terra, solitário,
Iluminado
pelo meu amor...
(do livro "Poesias", Editora Itatiaia Limitada)
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