sexta-feira, 17 de maio de 2013

Alma inquieta - Olavo Bilac

Sacrilégio


Como a alma pura, que teu corpo encerra,

Podes, tão bela e sensual, conter?

Pura demais para viver na terra,

Bela demais para no céu viver...

 
Amo-te assim! – exulta, meu desejo!

É teu grande ideal que te aparece,

Oferecendo loucamente o beijo,

E castamente murmurando a prece!

 
Amo-te assim, à fronte conservando

A parra e o acanto, sob o alvor de véu,

E para a terra os olhos abaixando,

E levantando os braços para o céu.

 
Ainda quando, abraçados, nos enleva

O amor em que me abraso e em que te abrasas,

Vejo o teu resplandor arder na treva

E ouço a palpitação das tuas asas.

 
Em vão sorrindo, plácidos, brilhantes,

Os céus se estendem pelo teu olhar,

E, dentro dele, os serafins errantes

Passam nos raios claros do luar:

 
Em vão! – descerras úmidos, e cheios

De promessas, os lábios sensuais,

E, à flor do peito, empinam-se-te os seios,

Ameaçadores como dois punhais.

 
Como é cheirosa a tua carne ardente!

Toco-a, e sinto-a ofegar, ansiosa e louca...

Beijo-a, aspiro-a... Mas sinto, de repente,

As mãos geladas e gelada a boca:

 
Parece que uma santa imaculada

Desce do altar pela primeira vez,

E pela vez primeira profanada

Tem por olhos humanos a nudez...

 
Embora! hei de adorar-te nesta vida,

Já que, fraco demais para perde-la,

Não posso um dia, deusa foragida,

Ir amar-te no seio de uma estrela.

 
Beija-me! Ficarei purificado

Com o que de puro no teu beijo houver;

Ficarei anjo, tendo-te ao meu lado:

Tu, ao meu lado, ficarás mulher.

 
Que me fulmine o horror desta impiedade!

Serás minha! Sacrilégio e profano,

Hei de manchar a tua castidade

E dar-te aos lábios um gemido humano!

 
E à sombria mudez do santuário

Preferirás o cálido fulgor

De um cantinho da terra, solitário,

Iluminado pelo meu amor...


(do livro "Poesias", Editora Itatiaia Limitada)


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