sábado, 18 de maio de 2013

Casimiro de Brito

Terceiro José



E agora, José?

Carlos Drummond de Andrade

Agora, apodrecer.

José Gomes Ferreira


E agora, José?

Submisso na queda

e já sem mulher

ouça a voz nocturna

que vai lhe dizer:

Agora? Apodrecer.

Mesmo no ofício

do seu suicídio

o sonho, implacável,

há-de persegui-lo.

E agora, José?

Apodreça tranquilo.

Mas você distorcido

em tal sacrifício

confia no dilúvio

da plena incoerência.

E agora, José?

Santa paciência.

O súbito sobressalto

o bulício dos timbales

e não mais o pão

das palavras amigas.

E agora, José?

O roer das formigas.

Mas onde a porta,

a planura do mar,

mas onde o ciclone

para o mastigar?

Você é duro, José.

Já não sabe cantar.

Mas você não morre:

é de barro, é de pedra,

vai depressa, a galope

e o sol quase a nascer.

E agora, José?

Agora, apodrecer.


Diário de Lisboa, 7 de outubro de 1965
(do livro "Poesia portuguesa do pós-guerra 1945 - 1965", Organização:  Afonso Cautela e Serafim Ferreira, Editora Ulisseia )

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