sábado, 15 de junho de 2013

Canto dos sinais - Natan Alterman

Canto dos sinais



Esta noite um pássaro gritou amargura

como se viessem arrebatar-lhe a alma.

Voou da tua mão esta noite o espelho,

teu vestido esta noite rasgou-se em luto

e contrariada te sentaste para cerzir o rasgão,

e eis que o sangue manchou tua agulha.

Não abras teu coração aos sinais.

Que o medo não arda em teus olhos.

Pois os sinais anunciarão o bem,

pois é a alegria que bate às portas

pois eles não são para ti mas para teus carrascos.

Minha filha, se os cães uivam na cidade

não é sinal de que um anjo passa pela cidade.


Minha filha, se um anjo passa pela cidade

não é sinal de que haverá luto na cidade.

Pois olhos se acenderão, filha,

e céus cintilarão, filha,

e anos passarão, filha.

E os grandes sinais se manifestarão,

e não terão mentido os sinais,

humildes e pobres se alegrarão,

pois é a alegria que bate às portas.

Eu sofro, sofro por teu coração amargo,

como se voltassem a arrebatar-me a alma.

Eu, que não tenho sonho, que não tenho luz,

sonhei-te pesadelo no fim da caverna;

ao despertar, teu sorriso despedaçado brilhava,

e em tua mão o sangue tinha manchado a agulha.

Pois a linguagem dos sinais é clara,

e ei-la diante dos meus olhos e dos teus.

Não é o bem que os sinais anunciarão,

não é a alegria que bate às portas,

pois ela não é para ti mas para teus carrascos.

Minha filha, se uivam cães na cidade,

não é sinal que um anjo passa pela cidade.

Minha filha, se um anjo passa pela cidade,

não é sinal de que se morrerá como tu na cidade.


Que os teus ombros se preparem, filha,

pois ainda não acabou, filha,

e até o fim não terá piedade, filha,

e virá um sinal, o último, filha.

Bebe nosso cálice até as fezes.

Essa é a nossa sorte – suportar os sinais.

Tu, minha única! Sê forte e corajosa!

Não é a alegria que bate às portas.


(do livro "Prosa e poesia de Israel", Tradução: Cecília Meirelles, Edição especial do Departamento Cultural da Embaixada de Israel, 1968)


Um comentário:

  1. E a foto mostra a evolução dos tempos. Das cidades invadidas pelas hordas de carrasco para as cidades habitadas pelas moças no janela vai um grande intervalo.
    E hoje, quase um século depois sabemos o quanto é relevante honrar aos escravos. Se eu sento a uma mesa todos os anos e ensino aos meus filhos e netos que fomos escravos no Egito é para que eles possam ter a certeza que são resilientes e que podem superar adversidades.
    Espero que outros também possam sentar à mesa todos os anos e prezarem os seus antepassados, de forma a legar aos seus filhos um futuro.

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