sábado, 14 de dezembro de 2013

Wellington França



O carreto


Carreto catador faz da sucata alimento.
Cascalhos metálicos
no ferro velho local
viram arroz e feijão
na magia das mãos.

Extrativismo ribeirinho carregado com carinho.
Nas margens do rio limpo
capim santo arrancado
chora chá matutino.
Jurureba tirada no pé
curtida na aguardente, vira licor.
Receita de mestres do nordeste
aprendidas com amor.

Pausa, carrinho de lado o território marcar.
Mergulhos no rio, água iluminada.
Em poucas décadas
escura e fedorenta
repleta de lixo e feto
despejado por gente sem afeto.

Renda pequena do micro frete compra luxo.
Erva cidreira colhida no quintal.
Água fervida, açúcar cristal.
Cuscuz de fubá
no vapor da chaleira
regado no leite como se fosse Natal.
Leite “batizado” com água de poço
comprado na carroça
das mãos do moço.
No tempo de vaca gorda
se muito, farinha torrada.
Torresmo? Iguaria.

Da pequena tragédia ao grande troféu.
Quase lenha, laminada e forte
que já transportou bacalhau
vindo das águas frias do norte,
transformada transportadora
para sustento geral.

Domingo, o melhor dia
Com carrão de madeira:
frete na feira.

Caixote de braço.
Rolimãs de aço
turbinadas no patinete.
Carreto garoto
Tocado do berço
para fortalecer o orçamento.

De repente.
Par de botas.
No ombro divisas.
Esquartejado o carrão!
Pena capital
por não pagar pedágio...

Seu pequeno construtor
engole choro.
Remove lágrimas.
Reúne cacos.
Conserta o carro.
Retorna arretado
ao trabalho arriscado.

Assim o caixote que já foi árvore.
Marujo em cargueiros do Atlântico
carregando peixe salgado,
vira trabalho, brinquedo e troféu
em um canto qualquer do mundo
num bairro de muitos pobres
e alguns poucos ricos de pano e papel.


(do livro “Flupp pensa”, Aeroplano Editora)



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