quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Ana Salek

notas do plano

I

dois galhos

em cima do banco de palha

lembram

as pernas de Sra. M

recortadas

derrames em série

(peteleco em castelo de cartas)

apartam a visão de seriados

ou novelas: pouco importa

a essa altura mal enxergava

o contorno diluído

das figuras

o vulto em cima da legenda

borrada de amarelo

era,

quem era?

separada do oásis, Sra. M quer morrer

mandou me chamar

meu amor, arrume

uma tv maior, sim?

II

mas o plano de saúde

as enfermeiras, o plantão,

a máfia impessoal deles

tem mais poder

do que todas as máfias juntas

gerenciam a organização

sem ao certo saberem-se

parte de uma

vêm com tralhas

tubos, armados contra a morte

o golpe

delicadamente batizado de

home care

integro a iniciativa terrorista

Life is good

mas todos os dias

desejo secretamente

ir com Sra. M

e se eles descobrirem?

não conte a ninguém

III

na LG nova 60”

o slogan

Life is good descortina

a tipografia neutra

ao fundo negro

moçinhas,  diz Sra. M

chegou a minha hora

Life is good

então elas ficam nervosas

se mexem muito na cadeira

engolidas pelo mantra

Life is good

ressoa

com uma voz robótica

Life is good

para as cinzas Sulamita

mas a noite chegou e os bárbaros não vieram

murmuram que não há mais bárbaros

nem zona fronteiriça

disque barbárie no 0800

ninguém atende por bárbaro

mas há cadastros, números,

diários de guerra

eles estão em toda a parte, Sra. M

eu os vi uma vez

aqui entre nós.


Ana Salek nasceu no Rio de Janeiro em 1987. Atualmente é bolsista no programa de mestrado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio. Em 2010, publicou “Dezembro”, um livro de poemas. Recentemente se juntou ao time de educadores do Projeto Jovem Rocinha, onde dá aulas na Oficina da Palavra.


imagem por Mira Shendel

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