sábado, 31 de agosto de 2013

Laurindo Rabelo

O que são meus versos


Se é vate quem acesa a fantasia

Tem de divina luz na chama eterna;

Se é vate quem do mundo o movimento

Co’o movimento das canções governa;

 
Se é vate quem tem n’alma sempre abertas

Doces, límpidas fontes de ternura,

Veladas por amor, onde se miram

As faces de querida formosura;

 
Se é vate quem dos povos, quando fala,

As paixões vivifica, excita o pasmo,

E da glória recebe sobre a arena

As palmas, que lhe of’rece o entusiasmo;

 
Eu triste, cujo fraco pensamento

Do desgosto gelou fatal quebranto;

Que, de tanto gemer desfalecido,

Nem sequer movo os ecos com meu canto;

 
Eu triste, que só tenho abertas n’alma

Envenenadas fontes d’agonia

Malditas por amor, a quem nem sombra

De amiga formosura o céu confia;

 
Eu triste, que, dos homens desprezado,

Só entregue a meu mal, quase em delírio,

Ator no palco estreito da desgraça,

Só espero a coroa do martírio;

 
Vate não sou, mortais; bem o conheço;

Meus versos, pela dor só inspirados, –

Nem são versos – menti – são ais sentidos,

Às vezes, sem querer, d’alma exalados;

 
São fel, que o coração verte em golfadas

Por contínuas angústias comprimido;

São pedaços das nuvens, que m’encobrem

Do horizonte da vida o sol querido;

 
São anéis da cadeia, qu’arrojou-me

Aos pulsos a desgraça, ímpia, sanhuda;

São gotas do veneno corrosivo,

Que em pranto pelos olhos me transuda;

 
Seca de fé, minha alma os lança ao mundo,

Do caminho que levam descuidada,

Qual, ludíbrio do vento, as secas folhas

Solta a esmo no ar planta mirrada.
 
 
(do livro "Poesia brasileira - Romantismo", organizadores: Valentim Facioli & Antonio Carlos Olivieiri, Editora Ática)
 
 
 

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