sexta-feira, 11 de julho de 2014

David Mourão-Ferreira



Ternura


Desvio dos teus ombros o lençol,
Que é feito de ternura amarrotada,
Da frescura que vem depois do sol,
Quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
Como vultos perdidos na cidade
Onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
E é ternura também que vou vestindo,
Para enfrentar lá fora aquela gente
Que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
A despimos assim que estamos sós!


(do livro “Cinco séculos de sonetos portugueses de Camões a Fernando Pessoa”, organização: Cleonice Berardinelli, Casa da Palavra)



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