sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Antonio Lobo de Carvalho, o "Lobo da Madragoa" (1730? - 1787)



Soneto CLXVII

A certa moça chamando de velho o autor, que não se tinha por tal.


Não te escondo a guedelha encanecida,
Nem da rugosa fronte a cor já baça:
Conheço que o meu lustre, a minha graça
Foi por duros janeiros destruída:

Confesso inda que é já bem conhecida
Que a idade minha do cinquenta passa;
Mas juro que ainda tenho grossa massa,
Qual teso mastaréu a pino erguida:

Se és hidrópica mestra fodedora,
Daquelas que procuram com trabalho
Lanzuda porra, porra aterradora:

Minhas cãs não te sirvam de espantalho;
Põe a prova o teu cono, e sem demora
Verás então se é velho o meu caralho.


(do livro "Poesias Pornográficas, vol. 2", organização: William Galdino e Barateza Duran, Presença e Editora Cozinha Experimental)



quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Sono leve - Leonardo Marona



geração cristal


frases de éter nos salvarão.

as correntes amamentadas
por búfalos portáteis em  nós
fundarão a língua brânquia.

com as cabeças nas imagens
seremos sonhos sem cabeça.

com trompetes em ferrugem
alucinaremos bebês antigos,
manteremos sujas as marcas.

por não podermos entregar
nosso estreito osso de amor
sorriremos firmes na chuva,
colheremos falsas papoulas.

da nossa turbulenta ternura
amarela um sol de abelhas
que faz jus à tripa receosa
onde incha o nosso veneno.

férias em doença trarão paz
aos túmulos da nossa elegia.
gotas nos olhos feito saúvas
são o mundo como antídoto.

e que beleza é o morto-vivo,
que sem estar e até não sendo
compreende esse túnel pálido
de onde emana a pura beleza
de não esperar, e querer tudo,
fazer rolar o dado, e se perder.


(do livro “óleo das horas dormidas”, Oficina Raquel)




quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A primeira morte - Maíra Ferreira



sem querer

desde que perdi o que
perdi não mais levanto
sem olhar para trás
e procurar o que sem
querer deixei sem
querer deixar
num banco numa esquina
ou num elevador
sobre ou sob a cama
no meio
do chão
dois olhos coçando
a superfície das coisas
até nelas encontrar então
o que nem perdido estava
mas ficou
somente para não perder
a procura e poder retornar
com algo
nas mãos


(do livro “A primeira morte”, Oficina Raquel)



terça-feira, 28 de outubro de 2014

Matheus José Mineiro



lamer la herida abierta  es más dulce  que una colmena

pombas adestram piolhos e praças.
mandruvás carcomem a textura da palavra verde.
cutias e pacas roem a beira da palavra rio.
Cupins mastigam o cara de pau.
traças abocanham os risos nas fotografias.

leitões bacorejam no curral de maquinadas situações.
javalis arruam nos brotos e caules  da horta da nossa aorta.

o mundo é a hemorragia.

Revitalizar é um verbo a favor de gente
e
contra
infecções, lesões e traumas.

poema torna-se  torniquete torcendo a mecanização do ânimo.

meu cérebro e meu espirito são espetados pelo desconforto
quando a rotina se afia e amola, como um canivete.
neurose é o meio social chutando e socando as portas dos miolos neurais
entrando sem ao menos ser convidado.

os dias deixando hematomas no rosto da gente.
os dias deixando escoriações no peito da gente.
os dias deixando inchaços nos braços da gente.

lágrima, suor , sangue e grãos de gargalhadas são extraídos do corpo
como o néctar
que as abelhas extraem das flores
diante da mandíbula de aço inoxidável e compromissos da cidade.

o planeta gira como uma betoneira,
areia, brita, concreto, abstrato, sentimentos e argamassa.

essas
vigas de aço que eles enterram no meu baço.
esse
vergalhão de 10mm
que eles enfiam no meu coração.
esses
sacos de pregos de aço
nunca irão tolher nossos abraços.
foguete que cava o ar
e broca que plaina dentro do umbigo da terra fugindo do cotidiano do planeta,
osso do tornozelo
torcido .


Matheus José Mineiro autor do livro A Cachoeira do Poema Na Fazenda Do Seu Astral, radicado na Serra dos Òrgãos (Rj) . www.apologiapoetica.blogspot.com.br