quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Mais cotidiano que o cotidiano - Alberto Pucheu



À espera dos bárbaros


Os bárbaros de ontem, quando chegam,
falam a mesma língua que falamos,
e, quando não é o caso, há pessoas
a traduzi-los para nós e a nos traduzirem
para eles, de modo que, ao menos,
o passível de consenso seja comunicado.
A pompa para recebê-los é a mesma,
os cerimoniais, se outros, pouco diferem
dos de antes, mas, agora, com os jornais
notificando tudo, nem é preciso o povo
esperá-los no aeroporto, na praça principal
ou mesmo no palácio do governo.
É hábito apenas que cada um folheie,
o mais rapidamente, a informação
já esquecida pela notícia subsequente:
se, antes, era preciso a espera dos bárbaros
para se saber que não havia mais bárbaros,
hoje aprendemos a viver sem eles.
A não ser que algum remanescente
deles ecloda desfigurado, sem rosto,
do meio da multidão do próprio país,
lançando aviões contra arranha-céus,
metralhando balas contra escolas
ou bombas contra uma praça qualquer.


(do livro "Mais cotidiano que o cotidiano", Azougue Editorial)



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