quinta-feira, 27 de novembro de 2014

O verso pelo avesso - David Cohen



Um poema


Nas esquinas da cidade morta
Ainda se faz poema...
O nada é pequeno, o silêncio é calado
E os olhos mulatos
Não me olham no rosto.
Nas esquinas da cidade morta
Ainda se faz poema...
Sonetos frequentam bares
Lembranças mantêm-se virgens
Pareço ouvir um samba
Que se desfaz junto com a lua
Na manhã do dia que não nasce.
Nas esquinas da cidade
A poesia é morta...
Um velho poeta lembra
Que os versos não envelhecem
E não padecem de reumatismos
Como os poetas velhos.
Nas esquinas da cidade torta
Ainda se sente pena...
Eu vejo uma cova aberta
E me pergunto se ainda há poesia
E se a saída não me sufoca
Pego numa caneta,
Desminto as minhas verdades
Falo de uma estrela que nunca vi
E das ondas que não mais verei
Cito uma procissão de poetas
Que numa romaria estrófica
Vão velar a palavra viva.
Nas esquinas da cidade morta
Ainda se faz poema...
E consumido pelo tédio
Este já está pronto
E jaz aqui.


(do livro “Olho nu”, Editora Verve)



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