segunda-feira, 31 de março de 2014

De profundis - Georg Trakl



No parque


Caminhando outra vez no velho parque,
Oh, silêncio de flores amarelas e vermelhas!
Vocês também choram, bons deuses,
E o brilho outonal do olmeiro.
No lago azulado ergue-se imóvel
O junco, e à noite emudece o melro
Oh! Então inclina tu também a fronte
Ante o mármore em ruína dos ancestrais.
(1912)



 



Im park


Wieder wandelnd im alten Park,
O! Stille gelb und roter Blumen.
Ihr auch trauert, ihr sanften Götter,
Und das herbstliche Gold der Ulme.
Reglos ragt am bläulichen Weiher
Das Rohr, verstummt am Abend die Drossel.
O! dann neige auch du die Stirne
Vor der Ahnen verfallenem Marmor.
(1912)



(do livro "De profundis", Editora Illuminuras)



domingo, 30 de março de 2014

Belo Belo - Manuel Bandeira



Brisa


Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas,
       minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.


(do livro “Antologia Poética”, Editora Nova Fronteira)



sábado, 29 de março de 2014

Everaldo Custódio de Deus



O banquete


Em meio a desorganização o sopro fechara a última janela, abrindo os sentidos dos bacanais entrecortados por cenas dantescas que lembravam o som do abismo... por alguns instantes tudo se pôs em trevas... o silêncio que seguira cobrava instintivamente o final do festim em um mundo petrificado por acúmulo de falta de beleza... os vilões desconfiados se retiram do banquete que comemorava a vitória do nada... da janela entreaberta se avistava o princípio do fim da soberania doentia das paixões bestiais, que envaideciam os sentidos e castravam a imaginação que proporcionariam ao homem o direito de ser criança.


(do livro “Poesias Encantadas VI – Antologia Poética Nacional”, organizador: Luciano Becalete, Projeto Poesias Encantadas)



sexta-feira, 28 de março de 2014

Quando as palavras se abraçam - Marla de Queiroz



Submissão


Ilustro mistérios enquanto me desnudo pra você
tirando cada peça que cobre o meu corpo.
Você nem imagina quanta sinceridade foi adulterada
no exato momento em que eu desviei o meu olhar do teu:
escondi em um segundo, uma vida de intenções.
Fui reeducada para farsas desde que me abandonaram
no meio de um amor tão espontâneo.
Agora não tenho dedos famintos de reações
nem lábios lascivos.
Agora tudo é toque leve e avisado,
histórias bem-datadas e beijo breve.
E, no rosto, eu cultivo com afinco
essa expressão fria e o olhar vazio.
Tudo é disfarce e nenhuma verdade:
eu aprendi a cultivar distâncias.
Finalmente eu troquei a minha real intensidade
pela postura calculadamente adequada de moça frágil.
Finalmente eu construí um personagem sem nenhuma poesia.
Agora, todo o meu afeto é discreto
e as minhas taquicardias semiausentes
(para que ame e nada doa em você.)

E o que era blue(s), agora jaz(z).


(do livro "Quando as palavras se abraçam", Editora Patuá)



quinta-feira, 27 de março de 2014

Amoramérica - Os Sete Novos



Brazil


E a normalidade começa com Nadam Guerra procurando um ovo vermelho.
E essa secretária eletrônica desdentada que não para de rabiscar na massa encefálica. Blame it on samba. E as araras não param de fazer amor. New York nos parece a cidade mais andrógina do mundo, tanto quanto essa classificação de cidades que soa totalmente estranha. Os Estados Unidos ainda esperam pela amamentação gerada por essa fixação em peitos? Todo sorriso é igualitário.
O grande problema, nos parece, é que o silicone não dá leite e a maioria das amas de leite já foi deportada para Libéria. As leiterias alucinógenas da Laranja Mecânica acabaram de fechar. E o verdadeiro Clockwork Orange é o Brasil: uma locomotiva desenfreada em que, sem explicação, alguém puxa a alavanca. Ela parte em direção contrária. O verdadeiro Brasil. O Clockwork Orange para Oswald somos todos nós. E o que acontece com uma pessoa amamentada por silicone? Nasce Americana. Os Americanos acreditam no êxtase messiânico da cenografia. Nossa alegoria é apenas delírio.
Terry Gilliam - que nasceu em Minnesota (o reino do trovador desterrado, Bob Dylan) - foi o estrangeiro que melhor entendeu nosso país, o caos acontecendo com fuzilamentos amorosos de polícias torturadoras nesse coração esburacado pelo garimpo na serra pelada do coração da América. PM, FIB, BOPE e CIA: quem levará para longe nossos novos minérios do amor? Para a Estrela o Snake-Eyes sempre fez parte do Cobra, só porque se vestia de preto e era mudinho. E quanto à zoológica do multiculturalismo o gueto epilético já tem seu papaideuma: Machado de Assis rules! Pará nãná nãnánãná / pará nãná nãnánãná / return I will / to old Brazil toca na sala de espera e no evangelho apócrifo de Jesus Cristo, no antepenúltimo dia, naturalmente. E se Harold Bloom fosse soteropolitano jogaria búzios e o Cânone Ocidental seria a coisa mais bonita de se ver.
E se existirá mesmo a geração 00, pós-diluviana, ou pós-internet, pós-pós-tudo, para os Norte-Americanos a amizade é uma cerca de arame farpado com carne mexicana (chili com sensualidade). Não é assunto de se domar no tédio. Não existe simbólico nenhum aqui. O importante é ser celebrado, entende? É luminoso, mas está em um museu. Se nenhum índio o pratica, o que sobrevirá não é o discurso, mas o poético, sob todos os discursos. Só o neoxamanismo californiano sabe o que o chocalho é um belo acelerador de partículas. Sobrevoará e irá se autofestejar enquanto pluma no jardim de cowboys noturnos e pulsações de caracol. Atrás de todo espelho tem um espelho da CIA. Evoé!


(do livro "Amoramérica", Editora 7Letras)