sexta-feira, 28 de março de 2014

Quando as palavras se abraçam - Marla de Queiroz



Submissão


Ilustro mistérios enquanto me desnudo pra você
tirando cada peça que cobre o meu corpo.
Você nem imagina quanta sinceridade foi adulterada
no exato momento em que eu desviei o meu olhar do teu:
escondi em um segundo, uma vida de intenções.
Fui reeducada para farsas desde que me abandonaram
no meio de um amor tão espontâneo.
Agora não tenho dedos famintos de reações
nem lábios lascivos.
Agora tudo é toque leve e avisado,
histórias bem-datadas e beijo breve.
E, no rosto, eu cultivo com afinco
essa expressão fria e o olhar vazio.
Tudo é disfarce e nenhuma verdade:
eu aprendi a cultivar distâncias.
Finalmente eu troquei a minha real intensidade
pela postura calculadamente adequada de moça frágil.
Finalmente eu construí um personagem sem nenhuma poesia.
Agora, todo o meu afeto é discreto
e as minhas taquicardias semiausentes
(para que ame e nada doa em você.)

E o que era blue(s), agora jaz(z).


(do livro "Quando as palavras se abraçam", Editora Patuá)



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