7. Só mãe de criança abortada reconhece o amor no
vermelho, o corpo do animal morto.
2. O sangue no antebraço que a luz baça fazia preto.
Punho cerrado, uma lasca de vida agarrada como última. Nada importa, se há dor.
7.5 Amarra, pendura e deixa pingar, que a terra dura
apaga a última gota.
4. Havia uma mulher de costas, cabelos curtos, pelos
grossos revolvidos na nuca. Quis ver seus pentelhos, os fios longos
entretrançados como um cobertor felpudo.
4.5 Acaricio com a palma da mão aberta.
6. Visto a calça depressa, preciso de carne fresca.
8. A galinha me olha de um olho só, ciclope de
ladinho, frango assado, papai e mamãe e o açougueiro gargalha, se sacode todo
mole, tem larva na carne fresca e não tem graça nesse lugar.
Nota (1): Pegar o frango é a parte fácil. Tem que
chegar por trás, de mansinho. É preciso suspendê-lo pela base das asas e
mantê-las unidas. Evite movimentar o braço. O risco de giz já deve estar
traçado no chão. Encoste o bico da sua presa no início da linha reta. Espere
dois minutos e terá um frango hipnotizado [não peça a ele para imitar gente,
isso só funciona na tevê]. Agarre pelo pescoço, com as duas mãos; você pode
escolher qualquer espaço entre ossinhos e torcer. É importante ouvir o plect. A
morte deve ser rápida, caso contrário, o animal fica tenso e a carne endurece.
Talvez ele estrebuche. Segure-o pelas patas e escorra o sangue numa bacia.
Depois, deixe-o descansar por no máximo cinco minutos numa panela de água
fervendo, para que as penas soltem com facilidade. Feito isso, depenhe e retire
os miúdos, enfiando, com cuidado, uma das mãos pela cloaca. Com um facão bem
amolado, corte as partes duras (patas, pescoço). Por fim, tempere, regue o
peito com o sangue despejado na bacia, leve ao fogo e, após o tempo necessário,
coma-o merecidamente.
3. Sonhei que eu inundava em vermelho. Meu corpo a
inchar como uma esponja. Acordei em lençóis úmidos e escorreguei da cama como
uma enguia. Chove lava há uma semana.
1. Se você não dorme sempre no mesmo lugar, nunca
sabe onde está, antes de abrir os olhos.
5. Chovo.
9. Existe uma coisa perto da morte que não consigo
alcançar. Algum vazio nessa paz fajuta.
(do livro "Algum vazio nesta paz fajuta", Edital)
"A galinha me olha de um olho só, ciclope de ladinho, frango assado, papai e mamãe e o açougueiro gargalha, se sacode todo mole, tem larva na carne fresca e não tem graça nesse lugar." Bom demais isso. Bruna é muito boa. Seu livro Não é uma leitura excelente e bem contemporânea.
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