Sejamos malditos
Cantemos o riso que é indiferença
As mágoas ocultas e a descrença
O trabalho que farta-nos a idade
O regime austero dos relógios
Nossos fardos mais irrisórios
Tudo que nos arranca vitalidade
Admiremos o sol que traz seca
O caldo de pedra sobre a mesa
Os velhos com ossos esfarelados
As milhares prostitutas de farinha
As crianças verminosas e sozinhas
E os cães decrépitos atropelados
Louvemos o céu que é ímpio
O horizonte sublime e frívolo
Os horrores que seduzem os olhos
O apetite corrosivo de vinganças
A adrenalina prévia das matanças
E os desejos adúlteros e mórbidos
Uma ode à tristeza intransponível
Ao desencanto precoce e terrível
Aos que cobram mais do que amam
Aos erros brutais e imperdoáveis
Aos atos voluptuosos e condenáveis
Às madrugadas que tanto nos danam
Sejamos malditos na escrita
Brandos e misericordiosos em vida
Eis o nosso ofício e nossa proeza:
Profanar com a língua dos anjos
Tutelar os espíritos errôneos
E lavrar no lodo seco, a beleza.
(do livro “O peso da água e as primeiras alegorias”,
WalPrint Gráfica e Editora)
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