domingo, 29 de junho de 2014

Brejo das almas - Carlos Drummond de Andrade



Não se mate


Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.


(do livro “Brejo das almas”, Editora Record)



Um comentário:

  1. Drummond é incrível, esse poema é lindo. É interessante notar que a palavra 'recalque' mudou de significado nos últimos anos: saiu do contexto estritamente psicanalítico para tornar-se sinônimo de inveja, especialmente na linguagem oral. Isso acaba dando uma nova de nuance de sentido para o poema, que continua lindo! :) Obrigado pelo poema!

    ResponderExcluir